quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Capítulo 9 - Parte 1

Capítulo 9: As Colinas de Cristal

Parte 1: O Outro Lado




Ian abriu os olhos com dificuldade, podia ver algum tipo de iluminação invadindo sua visão, mas não conseguia focar em nada, tudo estava embaçado e sem forma.

- Bem vindo de volta ao mundo dos vivos. – era uma voz grave, firme e pertencia a uma mulher, entretanto ele não conseguia a ver – Seus olhos... – hesitou, diminuindo o tom da voz – Co-como se sente?

Ele piscou os olhos algumas vezes, até que a imagem pareceu tomar forma e ficar mais clara. Logo pôde ver a mulher sentada ao seu lado, seus olhos focaram-se nos longos cabelos cor de fogo e em seguida em seus olhos verde-escuros que brilhavam ao refletir a luz de várias velas que estavam distribuídas no estranho local cinzento.

- Quem é você? – Ian perguntou com a voz muito fraca e inconstante.
- Meu nome é Madisen. – sorriu – E seu nome é... Alan? – examinava atentamente o rosto do sujeito com interesse.
- Onde ela está? – ao ouvir o nome pelo qual a mulher o chamou, lembrou-se de Moira e levantou o corpo rapidamente, sentindo uma dor tão aguda que deixou um urro de dor escapar.
- Acalme-se. – a mulher empurrou-o delicadamente para trás, fazendo-o voltar a se deitar na cama em que estava.
- Ele acordou? – a voz tenra da princesa ecoou pelo quarto, o que fez o sujeito apoiar o cotovelo sobre a cama e levantar devagar as costas do lençol.
- Não graças a você. – respondeu a mulher secamente.
- Sua louca! – Moira aproximou-se rapidamente e parou ao lado da cama, próxima a mulher.

O sujeito, ao perceber que ela estava bem, deitou a cabeça no travesseiro e suspirou, esboçando um sorriso e parecendo aliviado.

- Por que esse sorriso quando quase morreu? – a princesa perguntou irritada – Nem em uma situação como esta você fica assustado?
- Depois da vigésima vez que quase morro começa a ficar chato. – riu, mas acabou gemendo e pousando a mão sobre o abdômen.
- Isso não tem graça... – cruzou os braços e fitou-o com desaprovação.
- Você é bem resistente.  Que bom que já está se sentindo bem. – a mulher cobriu gentilmente o peito de Ian com o cobertor de pele que já estava sobre ele antes de ter se erguido da cama – Mas precisa descansar. Você perdeu muito sangue, deve estar fraco. – pousou a mão na testa de Ian.
- Que lugar é este? – fitou Madisen com um olhar maldoso e desconfiado.
- Esta é a minha casa.
- Nós estamos nas Colinas de Cristal! –exclamou Moira intrometendo-se, mas mantendo distância da cama em que Ian estava – Não é incrível? – parecia alegre, mas logo sua expressão mudou – Mas estamos na região noroeste das colinas.

Ian não disse nada, apenas fechou os olhos e suspirou mais uma vez.

- Há uma poção que eu posso fazer para diminuir a dor. – Madisen levantou-se da cama e se dirigiu para a única porta do cômodo.
- Vossa Alteza. – Ian murmurou, mas Moira conseguiu ouvir e se aproximou um pouco dele.
- O que foi? – a princesa cobria-se com uma espécie de manta feita da pelagem de algum animal.
O sujeito murmurou novamente, entretanto a jovem não conseguiu ouvir o que ele estava dizendo.
- Tente falar mais alto, eu não entendo! – ajoelhou-se ao lado da cama e apoiou os braços sobre ela.
- Por que Vossa Alteza sabe utilizar arco e flecha? – fitou concentradamente os olhos dela.
- Você acha que está no direito de me fazer perguntas? – elevou muito o tom de voz – Que tal um joguinho? Cada um faz uma pergunta por vez e eu começo. – tinha um sorriso maldoso em seus lábios grossos e vermelhos.
- Você aprende rápido. – deu outra risada que acabou tão rápido quanto a anterior por causa da dor.
- Quem é você? – mudou repentinamente de expressão, ficando séria.
- Ian. – virou o rosto para outro lado, movendo-se com dificuldade.
- Responda direito! Não é o seu nome que estou perguntando. – inclinou-se sobre ele, perdendo a paciência – O que você e aqueles outros são?
- Somos recipientes... Hospedeiros. – voltou o rosto para ela, fechou os olhos e respirou fundo – Pessoas que foram possuídas pela “essência da dimensão”. – abriu um dos olhos e analisou a expressão de confusão de Moira – Talvez você compreenda melhor se eu chamar de “espirito da natureza”.
- Eu sabia que este olho vermelho só poderia significar possessão! – exclamou - Mas... Eu achei que era possessão demoníaca como está escrito nos livros. –abaixou a cabeça, pensativa.
- É bem diferente. Fazemos parte do “meio”. Independente da dimensão de onde viemos.
- O que isso quer dizer? – apesar de confusa também estava curiosa, finalmente teria suas perguntas respondidas.
- Responda a minha antes de fazer outra pergunta. – mantinha os olhos espremidos e volta e meia movia-se dolorosamente, tentando achar uma posição que lhe fosse mais confortável.
- Quando eu era pequena meu pai achou melhor que eu aprendesse como me defender para que, se algo e ruim acontecesse comigo, eu poderia me proteger. Por isso decidiu que eu precisava saber utilizar algum armamento. Optei pelo arco. – deitou a cabeça sobre a borda do colchão macio da cama de Ian – Agora me explique direito isso que acabou de me dizer. – sentia-se cansada, mas havia uma sensação que estava a deixando agitada internamente.
- É complicado.
- Está me chamando de tola novamente? – levantou a cabeça irritada.
- Não. – esboçou um sorriso – Eu irei tentar. – puxou com dificuldade o braço direito para fora do cobertor e o colocou sobre o peito – Eu... Eu vim de outro mundo. Assim como aqueles três que nos atacaram. – olhou para Moira pelo canto do olho, que havia voltado a deitar a cabeça e estava prestando atenção no que ele dizia – São dimensões. Existem muitas. Algumas possuem algo que chamamos de “essência condensada” ou apenas essência, como se fosse o espirito que representasse todo aquele mundo. – deu uma pausa e suspirou - Mas são apenas existências sem forma e incapazes de fazer algo, por isso precisam de um corpo para se manifestar. Cada um dos recipientes pertence a um mundo diferente, pois só um espirito se manifesta em cada dimensão.
- Mundos diferentes? Espíritos? Outros mundos querem dizer... Outros continentes? – estava perplexa, tinha os olhos vidrados observando o nada.
- Vossa Alteza sempre quer fazer mais de uma pergunta em sua rodada.
- Eu só quero entender! – bufou - ...Então faça a sua. – respondeu com certo mau humor.
- Posso tocar seu cabelo? – sorriu.
- O quê? - Espantou-se - Essa é a sua pergunta? – levantou o corpo ficando ereta, apenas apoiada sobre os joelhos – Pode... Pode tocar. – suspirou e inclinou-se para frente para que ele pudesse tocar seu cabelo, mesmo que Moira não houvesse gostado do pedido – Só deixarei você fazer isso porque está finalmente me respondendo, embora eu não esteja muito convencida com suas respostas.
- Eu estou dizendo a verdade. – levantou o braço que estava sobre o peito e pousou sua mão sobre a cabeça de Moira, deixando-a deslizar pelas madeixas do longo cabelo da jovem.
- Você está achando que sou a sua irmã? Só porque me pareço com ela?- estava irritada com o pedido e com o jeito que Ian a olhava, mas principalmente porque ele ainda não havia removido a mão de cima do cabelo dela.
- Não. Vossa Alteza é muito diferente dela. – puxou uma mecha do cabelo da princesa para si – Respondi sua pergunta, já posso fazer mais uma.
- Não era essa a pergunta... – Moira não havia percebido que já tinha feito outra pergunta até que ele a avisou - Não puxe meu cabelo!
- Agora eu já respondi. –olhava-a densamente - Por que está nervosa? – segurava a mecha próxima ao seu peito.
- Não estou nervosa! Apenas solte meu cabelo! – pegou a mecha esticada do cabelo, mas ainda não tentou a puxar de volta.
- Não minta. – apoiou-se sobre os cotovelos e fez esforço para colocar-se sentado sobre a cama, ignorando a dor que lhe incomodava principalmente nas costas e ainda não soltando o cabelo da princesa.
- O que está... – Lembrou-se que não deveria fazer uma pergunta que não fosse aquela que ela realmente gostaria de ter respondia e calou-se – Não estou mentindo!
- Foi Vossa Alteza que tirou a minha roupa? – olhava para o próprio tórax despido.
- Não!! – tentou levantar-se, mas sentiu um fisgo em seu cabelo, o que a fez produzir um gemido de dor e deitar a cabeça sobre o colchão novamente – Isso doeu... – murmurou dengosamente, tinha a voz abafada pelo colchão – Solte... – segurou a mão dele que mantinha seu cabelo preso e tentou abri-la.
- Olhe que contrastante. – soltou o cabelo dela e segurou sua mão - Suas mãos pálidas pequenas e delicadas.
- Pare com isso! Não me toque! – puxou o braço para si, soltando-se dele, levantando e se afastando.
- Por quê?
- Pare de fazer perguntas! É a minha vez! – começou a perambular nervosamente pelo pequeno e abarrotado quarto.
- Pergunte. – mais uma vez moveu o tronco com dificuldade de encontrar uma boa posição para se acomodar.
- É o que vou fazer. – fechou os olhos e respirou fundo, parando de se mover e pensando na pergunta que gostaria de fazer – O que significa “outros mundos”? E como você pode ser um “espirito da natureza”? – desceu seu olhar irritado e desaprovador sobre ele.
- Duas perguntas? – riu – Vou responder já que acabei de fazer duas também. – pigarreou, fazendo uma expressão disfarçada de dor – São universos paralelos. Versões diferentes deste mundo que não são capazes de se encontrar. Mais ou menos como céu e inferno. Versões que provavelmente começaram iguais, mas acabaram por tomar rumos muito diferentes ao longo do tempo. – fechou os olhos, respirou fundo e pousou a mão sobre a ferida no abdômen – E quanto ao espirito. Não sou eu. É parte de mim. Ele não me controla como em uma possessão demoníaca. E “nós” chamamos de espirito da natureza porque, como eu já disse, é a condensação de uma dimensão, como se aquele mundo possuísse uma alma.
- Oh... Acho que entendo! – ficou agitada novamente, tento uma expressão bem mais leve no rosto – Não muito bem a parte em que disse que “ele” é parte de você. – parecia animada – Se o que você diz é verdade mesmo... É tão... Irreal... – pareceu até esboçar um sorriso.
- Eu sei... Mas agora sou eu quem pergunta. O que tem braços, pés e costas, mas não tem pernas?
- Oh. Você ouviu a charada... – cruzou os braços e virou em direção a uma grande pintura sem forma definida pendurada na parede – É um trono.
- Trono? Não tem pernas? – deu uma risada contida.
- O do meu pai não tem. Só tem braços, costas e pés. – demonstrou uma expressão emburrada.
- Acredito que apenas Vossa Alteza seria capaz de responder essa charada. – dessa vez deu uma risada que fez todas suas feridas latejarem.
- Pare de rir, seu maluco! Responda a minha próxima pergunta! – voltou a se irritar – Por que aquele homem lhe chamou de Milorde?
- Oh... Isso... Bem... – no mesmo instante Madisen adentrou pela entrada do quarto que era coberta por um fino véu colorido e semitransparente.
- Desculpe a demora, a poção ainda não estava pronta, tive de finalizá-la. – aproximou-se da cama segurando uma tigela com um liquido escuro borbulhante e ajoelhou-se ao lado de Ian – Você não deveria se levantar.
- Deve ser veneno. – intrometeu-se Moira com uma expressão carrancuda no rosto.
- Certamente! – virou o rosto para a princesa, com um tom de ironia na voz – Eu teria todo o trabalho de cuidar das feridas dele pra depois envenená-la. Realmente muito inteligente!

Moira começou a tossir, disfarçando seu constrangimento e tentando segurar a raiva que sentia daquela mulher que havia conhecido há tão pouco tempo.

- O que é isto? – perguntou Ian, fitando a mulher com o olhar frio e vazio que normalmente assustava quem o recebia.
- É uma poção para diminuir sua dor. – deu o copo para que ele segurasse - Você teve feridas muito graves. – levantou-se e foi até uma pequena cômoda repleta de potes que continham diversos ingredientes coloridos e pegou algo pontudo de cima – Olhe o tamanho desta ponta de flecha que estava em suas costas – mostrou a ponta metálica que ainda tinha um pedaço da haste de madeira – Estava completamente enterrada em suas costas e tem quase o comprimento da minha mão! – exagerou.

O sujeito, parecendo desconfiado, aproximou o recipiente com o estranho liquido de seu rosto e inalou, sentindo seu cheiro forte e adocicado.

- Realmente... – fitava Ian com certa suspeita – Você é muito resistente. – girava a ponta de flecha na mão.
- Você nem imagina como. – respondeu secamente em um tom provocativo e entonou o recipiente na boca, bebendo tudo de uma só vez.
- Saia dessa cama logo! – novamente a princesa se intrometeu, parecendo impaciente.
- Garota cale-se um pouco. Chega de falar com ele. O seu amigo precisa descansar. – disse em voz de comando.
-Não ouse falar nesse tom comigo! Sua louca! – gritou repleta de ódio.
- E quem você acha que é para falar comigo dessa forma dentro de minha casa? – cruzou os braços e a encarou com desdém.
- Eu sou a...! – parou de repente, lembrando-se de que dizer para os outros quem ela era sem ter ninguém que a pudesse proteger podia ser um grande erro.
- Quem? – perguntou com um tom de deboche.
-... Irmã dele. – apontou para Ian – E... Ele vai ficar muito abatido se você me tratar assim... – sobre pressão para inventar alguma desculpa, acabou falando a primeira ideia que passou por sua cabeça.
- Ah. Sim. – disse Ian, que já estava se sentindo tonto, mas disfarçava – Se você trata-la assim eu irei chorar inconsolavelmente... – concluiu ironicamente e deixou o corpo deslizar pela cama, voltando a deitar.

Madisen esboçava um sorriso pelo canto da boca, enquanto observava Ian caindo no sono. Já a princesa havia abaixado sua cabeça e coberto o próprio rosto com as mãos. Decepcionada com a própria mentira.



Continua...

Natalie Bear