Parte 2: Pior Sem Ele
Ian e Moira já estavam caminhando em meio à floresta por pelo menos três horas sem chegar a lugar algum. Naquele trecho as arvores eram mais espaçadas entre si e deixavam que os raios do sol iluminassem a floresta bem melhor.
Mais cedo eles haviam comido uma refeição composta dos peixes que Ian havia pescado. O sabor não era tão adequado ou refinado quanto a comida que Moira estava acostumada a comer, mas naquele momento em que estava faminta já não se importava muito.
- Eu estou cansada de caminhar. – reclamou a princesa que andava a alguns metros de distância do forasteiro – Você não disse nada hoje, voltou a ser mudo? E voltou a fazer essa expressão de estátua?
Ian não a respondeu, apenas seguiu pelo caminho.
- Você não entende! Estou muito preocupada com o Maxwell! – falava alto e gesticulava.
Continuou sem receber resposta alguma dele e o silencio a torturava. Moira sentia que, se ficasse calada, poderia voltar a entrar em pânico. Ela tinha um pavor instintivo de se perder em uma floresta. Algo que ela gostaria de poder controlar, mas nunca fora capaz.
- Afinal o que você pretendia se tornando parte do exército do rei? Você é um espião? E por que aquela mulher de olhos vermelhos queria me matar? – fazia mais e mais perguntas para força-lo a dizer algo - O que eu fiz para ela? Se você é um espião por que se deu ao trabalho de me salvar da explosão? Por que se curvou para mim quando me libertou da prisão? O que você quer? Responda! – gritou ainda mais alto, batendo o pé no chão com força.
- Quero que cale a boca. – respondeu sem se alterar com a jovem e sem parar a caminhada.
- Como você é rude! – esbravejou com irritação, embora estivesse mais aliviada por ter recebido alguma resposta.
Enquanto Moira gesticulava agressivamente para Ian, mesmo sabendo que ele não poderia a ver, sentiu, de repente, algo cobrir rapidamente sua boca e a puxar para trás. Um homem estava a segurando e impedindo que ela falasse. A princesa não conseguia ver quem era, mas estava apavorada. Dois homens se colocaram na frente de Ian quase ao mesmo tempo, forçando-o a parar a caminhada.
- Podem passar tudo o que vocês têm! – disse um deles, que segurava uma longa espada de metal novo.
O forasteiro virou o rosto para trás, vendo que a princesa havia sido pega como refém e tinha uma adaga apontada para a garganta.
- Olha que esquisito os olhos desse aqui! – disse o terceiro homem que estava apontando uma flecha para o peito dele.
Ian fitou os olhos e Moira que suplicavam para que ele reagisse antes que acontecesse algo.
- Está surdo ou quer morrer? – o homem que segurava a espada tinha cabelos negros que caiam sobre a testa e uma grande cicatriz que quase atravessava todo seu rosto.
O sujeito de olhos peculiares deu mais uma olhada na princesa e soltou a bainha da espada do seu cinto.
- A espada é tudo o que eu tenho. – respondeu calmamente.
- Está achando que somos burros? – o ladrão aproximou a espada do pescoço de Ian.
- Talvez ele esteja falando a verdade, olha o estado desses dois... – apontou o homem com o arco, mostrando o quão a dupla estava coberta de barro e com as roupas rasgadas.
- Cala a boca idiota! – voltou-se para sua vitima – Dê todo o seu dinheiro ou o meu amigo ali fará a vadia sangrar!
Ter sido chamada por aquela palavra a irritou tanto que a jovem princesa, movida pela raiva que atravessou todo seu corpo, mordeu a mão que cobria a sua boca e golpeou as costelas do homem com seu cotovelo, aproveitando que ele, atordoado pela dor, a soltou e correu até seu companheiro de viagem.
- Puta maldita!! – berrou o homem, sacudindo nervosamente a mão que havia sido mordida.
Ian aproveitou a distração que Moira criou e, com um movimento extremamente rápido, cravou as garras metálicas na garganta do homem que empunhava a espada, puxando-o para si e usando-o de escudo para quando o terceiro ladino, por reflexo, lançou sua flecha.
Os dois homens que sobraram estava perplexos com a rapidez de contra-ataque do sujeito de cabelos dourados e por alguns instantes ficaram observando petrificados.
- Mate-os Alan! – a princesa berrou, apontando para o homem com a adaga e sentindo o calor gerado pela emoção tomar conta de seu corpo. Era como se ver seus inimigos caírem diante de si fosse algo muito estimulante e tentador. Exatamente o tipo de poder que ela queria. Um desejo que estava tão escondido dentro de si que Moira nem havia o percebido ainda, mesmo que outra pessoa já houvesse.
O ladrão com o arco tentou atacar mais uma vez, dando vários passos para trás apressadamente enquanto pegava outra flecha da bolsa presa às suas costas, entretanto, antes que conseguisse encaixá-la no arco, o forasteiro pegou a espada do adversário já vencido e enterrou sua lâmina no peito dele.
O sujeito com a adaga entrou em pânico ao ver o quão rápido Ian era e saiu correndo, porém foi facilmente derrubado pelo homem que lhe causava arrepios. Uma flecha disparada do arco do companheiro atravessou seu pescoço e o fez cair. O pobre homem sangrou até a morte. Nunca teve chance alguma.
Moira olhava perplexa para o sujeito que morria afogado no próprio sangue. Sentia-se amedrontada com a visão do homem perdendo lentamente sua vida, porém não conseguia desviar seus olhos. De repente sentiu uma mão apoiar-se em seu ombro e sobressaltou. Ian inclinou-se rapidamente até ter seus lábios muito próximos da orelha da jovem e sussurrou:
- Com prazer, Vossa Alteza.
- O que está fazendo!? – sentiu um arrepio percorrer sua espinha e afastou-se em um salto, irritada.
- Seguindo Vossas ordens. Vossa Alteza pediu que eu os matasse. – olhou para o chão, na direção do primeiro homem que havia matado dentre os três – Me parecem mortos. – sorriu.
- Mas eu também lhe ordenei que não tocasse em mim! – bufou – E por que insistem em usar este tipo de palavreado comigo!? – pousou as mãos sobre a cabeça e inclinou-se para frente – E eles tinham razão! Eu estou imunda e esfarrapada, pareço uma pobre faminta! Parece que não penteio meu cabelo há meses! – reclamava sozinha enquanto seu parceiro de viagem se agachava e revistava os corpos dos homens que haviam acabado de atacá-los – O que está fazendo?
- Compras. – disse seriamente, levantando uma algibeira e produzindo um tilintar bem suave.
- Por favor! Pare de roubar os mortos! – fez uma careta, nauseada pelo ato desrespeitoso dele.
- Eles iam nos roubar. – explicou calmamente, enquanto arrecadava para si as armas dos homens – E não irão mais precisar destes objetos.
- Você é repulsivo! – gritou novamente, muito irritada.
- Continue gritando para chamar mais ladrões. – Virou-se para ela e a fitou maldosamente enquanto guardava os novos pertences adquiridos. – Se estes homens estavam por perto provavelmente estamos próximos a alguma estrada.
- Eles poderiam ter me ferido... – baixou o tom da voz junto com a cabeça.
- Mas agora não podem mais. Vamos. – seguiu pelo caminho em que estava indo anteriormente.
Mesmo cansada da viagem e de tudo o que estava acontecendo, a jovem princesa seguiu-o sem reclamar. Não tinha como escapar da longa viagem.
Depois de quase mais uma hora de caminhada, Ian parou repentinamente, gesticulando para a garota, chamando-a para perto de si.
- O que você está tramando agora? – perguntou desconfiada, se aproximando cautelosamente.
- Encontramos um vilarejo. – sorriu.
- Não é Sempterot. Do que adianta termos encontrado este lugar? – perguntou carrancuda, cruzando os braços.
- Vossa Alteza não queria vestir roupas limpas? – novamente havia malicia em seu sorriso – Podemos conseguir ali.
- Então vamos até lá. Mas também preciso tomar um banho. –adiantou-se, andando à frente de seu companheiro de viagem.
Apesar de pequena, a cidade era bem movimentada. Carroças e cavalos carregando mercadorias, pessoas caminhando pelas ruas, alguns vendedores em suas barracas. Ian encontrou rapidamente a entrada de uma loja pertencente a um alfaiate.
- Olá senhor! – o homem de longa barba grisalha e cabeça lisa olhou para o forasteiro todo sujo com uma expressão perplexa – Boa tarde. – logo viu a jovem que o acompanhava, que estava em um estado tão deplorável quando o homem – Em que posso ajuda-los?
- Roupas. – disse Ian sem delongas – Para a garota também. Masculinas.
- Por que!? – exclamou Moira, revoltada – Você é louco! Recuso-me a vestir roupas de homem!
- Se continuar a viagem com um vestido como este, - apontou para a roupa dela - logo ele também ficará no mesmo estado.
- Vai ser isso mesmo? – perguntou o comerciante.
- Sim. – respondeu enquanto olhava para a princesa, que havia virado o rosto, revoltada com o pedido dele, porém incapaz de discordar.
- Vocês precisam de algo feito sob medida por acaso?
- Não temos tempo para isso. O que encontrar aí para vestirmos está ótimo. – cuidava Moira, que estava do lado de fora, emburrada e observando o movimento na rua, pelo canto do olho.
- Não sei se vou ter algo exatamente do tamanho dela. – o alfaiate procurava por entre várias roupas dobradas em cima de uma prateleira – Provavelmente está é a menor camisa que possuo aqui. – desdobrou uma camisa bege simples e barata.
- Acredito que não tenha problema. – estava com uma expressão severa.
O alfaiate trouxe todas as peças de roupas que ele precisava, uma a uma. Ian o pagou com algumas das moedas que conseguiu com os ladrões e saiu da loja carregando as roupas.
- Terminamos por aqui. – sorriu para Moira, entregando-lhe as peças de roupa que ela iria usar.
- Não estou nem um pouco contente com essa sua liberdade para decidir o que precisamos fazer. – bufou – Você é apenas um serviçal como qualquer outro. Não deveria estar tomando decisões por mim! – lançava um olhar repleto de ódio em sua direção.
- Vossa Alteza... Não se esqueça de que não estamos dentro do seu castelo. – respondeu com um sorriso malicioso.
- É por isso que quando voltarmos para lá você será punido por tudo o que fez para mim!
- Temos apenas poucas horas de luz do dia. – olhava para cima, ignorando completamente o que ela dizia – Será melhor passarmos esta noite no vilarejo.
- Preste atenção no que eu digo!
- Que tal o banho agora? – virou-se para ela com um sorriso, como se Moira não houvesse dito nada.
- Explique-me aonde! – disse rispidamente, já rangendo os dentes de ódio.
- Vem comigo. – começou a locomover-se por entre as pessoas sem esperar pela jovem.
Moira não queria o seguir, mas também não tinha a intensão de ficar para trás e se perder. Não podia se perder dele. Depois de ter de se esgueirar e procurar por Ian entre as pessoas, a princesa finalmente conseguiu o alcançar em uma rua menor que estava vazia.
- Para onde você está indo? – perguntou com muita irritação, enquanto sentia seus pés doendo dentro das botas já estragadas.
- Espere aí. –deu o amontoado de roupas para a princesa segurar mesmo contra a vontade dela e parou atrás de um pequeno templo ali perto que era uma das construções mais altas da cidade.
- Você só está andando por aí sem rumo, não é? – apesar de gritar em revolta havia o obedecido e parado de segui-lo.
O curioso sujeito, sem dar explicação nenhuma, subiu pela parede externa do templo, escalando-o habilmente e utilizando-se das janelas e algumas partes esculpidas com detalhes para apoiar as mãos e os pés. Não levou muito tempo para alcançar uma das torres. Ian a escalou e ficou de pé sobre ela, olhando em volta, parecendo procurar por algo.
As ações dele haviam deixado a princesa perplexa. Por um lado estava sentindo certa admiração pela habilidade de seu companheiro e viagem, mas por outro ainda o odiava com todo seu âmago e admira-lo era algo inaceitável para ela. Porém também estava curiosa com o que o sujeito pretendia ao subir o templo.
- Achei. – mesmo daquela distância Moira podia ver o sorriso sagaz dele – Há um riacho naquela direção. – apontou para o leste.
- Riacho? Está insinuando que eu vou banhar-me em um riacho? – berrou, assustando as poucas pessoas que passavam por perto – É muito frio! Você quer que eu morra congelada!
- Quanto drama. – riu e desceu do templo ainda mais rápido do que subiu, escorregando propositalmente a maior parte do trajeto vertical- Vamos. – passou pela garota e seguiu em direção ao leste.
- Quem você pensa que é para me dar ordens? –havia abaixado o tom de voz, mas ainda estava repleta de ódio enquanto o seguia mais uma vez.
Ian apenas deu uma risada rápida e voltou a ficar quieto.
- Odeio você seu cretino. – murmurou emburrada.
Mais alguns minutos de caminhada e os dois chegaram às margens do riacho, que ficava na entrada de uma floresta densa. O sujeito soltou o pequeno amontoado de roupas sobre a grama e removeu do pescoço primeiro o cachecol desbotado e depois a capa toda rasgada que vestia. Em seguida colocou o arco e uma bolsa de couro, que estava escondida abaixo de sua capa, presa no cinto, ao lado das roupas.
- Pode ir primeiro. – sentou-se no chão e escorou um dos ombros no tronco largo de uma árvore.
- Você está louco se acha que vou me despir e entrar em um riacho ao ar livre. – gesticulava nervosamente enquanto se negava a entrar na água.
- Eu não me importo se Vossa Alteza preferir continuar coberta de lama. – respondia calmamente enquanto esticava os braços se espreguiçando – Vossa Alteza pode entrar na água com o vestido que está usando. –estendeu a mão na direção dela e lhe entregou um objeto branco semitransparente e retangular.
- Um sabonete? – pegou rapidamente da mão dele – Onde conseguiu isso? – examinou.
- Com o alfaiate.
A jovem sabia que a sugestão poderia resolver um de seus problemas, embora ainda tivesse que aguentar a temperatura baixa da água do riacho.
- E seja rápida ou daqui a pouco o sol vai se por e Vossa Alteza vai realmente morrer de frio.
Tudo o que aquele homem dizia era irritante. Ele parecia sempre estar brincando com ela, de alguma forma. Moira bufou algumas vezes antes de resolver ir até a margem do riacho e tomar coragem para enfrentar o frio que a esperava. Sem mais delongas desamarrou o cordão que prendia a grossa capa que vestia e entrou na água- Sentiu o corpo enrijecer com o frio da água, fazendo com que tremesse involuntariamente... Mas a princesa precisava aguentar.
Por mais de quinze minutos Moira suportou a água gelada em seu corpo apenas para conseguir livrar-se de toda a sujeira que havia acumulado desde a prisão até aquele momento e também para deixar seu cabelo o mais limpo que pudesse. Finalmente terminou de lavar-se e saiu correndo da água, ajoelhando-se perto da margem para se recuperar do frio, esperando que o sol a ajudasse.
Sem pressa alguma Ian caminhou até ela e se agachou não muito longe da garota.
- É melhor Vossa Alteza por a roupa nova e seca agora. - Cobriu a cabeça dela com um grande pedaço de tecido de linho – Pode usar isso para se enxugar.
- Saia de perto de mim! – levantou-se rapidamente e se afastou, enquanto enxugava o rosto com a toalha que Ian havia lhe dado.
Ela sentou-se mais afastada e utilizou a toalha para secar primeiramente seu longo e volumoso cabelo. Estava encolhida contra uma árvore e tentando, pelo menos, tirar a água de seu cabelo antes de trocar de roupa e finalmente se livrar de boa parte do frio.
- Vossa Alteza está com o meu sabonete. – Moira ouviu a voz dele e ficou instantaneamente irritada, tirando o tecido de cima da cabeça.
- O q... – a princesa rapidamente percebeu que Ian estava já sem parte da roupa – Dirija-se a mim apenas quando estiver vestido!! – gritou cheia de nervosismo e jogou o sabonete para ele, voltando a cobrir a cabeça com a toalha o mais rápido que pôde.
O homem de cabelos louros apenas riu e se afastou, indo para o riacho.
Apesar de ter passado os olhos muito rapidamente sobre o corpo dele, Moira ainda sim conseguiu enxergar uma grande e curiosa cicatriz que atravessava seu peito transversalmente, entretanto aquela percepção foi algo que logo fugiu de sua mente. Lembrar-se de sua extrema falta de educação ao aparecer daquela forma não era algo que ela gostaria de manter em sua mente.
Quando a jovem acabou de se vestir, não se antes prestar muita atenção ao seu redor para ter certeza de que ninguém estava a observando, percebeu que o sol já estava começando a se por. Sua maior preocupação naquele momento, além do irmão, era como iria passar aquela noite. Seu corpo já estava cansado demais para dormir outra vez sobre o chão duro. Não sabia o que Ian pretendia, pois jamais estivera em uma cidade – ou vilarejo – antes.
Se Moira passasse mais uma noite dormindo daquela forma seu corpo não aguentaria muito mais.
Continua...
Natalie Bear
Natalie Bear
Que fresca ela xDDDDDDD
ResponderExcluirLegal esse capítulo xD! Deu pra entender um pouco mais os dois ^^!
Bjos ^^/
Daqui em diante frescura é o que não vai faltar nela. XD
Excluireita, meu comentário nao tinha ido ._.
ResponderExcluirfresca fresca fresca! xDD
e o Ian é maneiro xD~
8D.
ExcluirCoitado do alfaiate, a final de contas, foi roubado!
ResponderExcluirMuito legal os diálogos. xD